Na cena literária gaúcha, nos últimos quatros anos, dois livros tem se destacado: “O avesso da pele” de Jeferson Tenório e “Os supridores” de José Falero. O primeiro por falar de racismo e a dor deste sofrida pelo personagem, tendo ganhado mais destaque recente nos últimos meses por ter sido censurado e banido da rede pública do RS e de alguns outros estados. Já “Os supridores” fala sobre pobreza, tráfico e os caminhos que estes levam o que ocorre com aqueles que por este enveredam. O livro faz literatura com isto, mostrando os caminhos e consequências dos personagens.
Sobre o livro de Tenório, fico apenas por cima, pois ainda não o li. Vi o impacto da obra e os movimentos, o fazendo um dos grandes escritores gaúchos agora no momento, mas ainda não tive as impressões e o impacto da leitura, de conhecer o que ele disse em tal obra. Já “Os supridores” seguramente é um dos melhores livros brasileiros dos últimos tempos, com muita chance de se consagrar em mais longo prazo. Partindo de um tema e elementos já bastante sólidos e consagrados na literatura nacional, drogas, tráfico, relações sociais e um pouco de marxismo, Falero consegue usar todos estes elementos em suas melhores formas, em seus significados mais reais, criando assim uma grande obra.
Como poucos autores fizeram, o autor consegue adentrar fortemente este universo e suas idiossincrasias, imprimindo bem as relações social presentes. Para melhor explicar, sem dar spoilers do livro, sintetizo que o livro tem como protagonistas Pedro e Marques. Ambos são supridores em um supermercado, os que reabastecem as prateleiras conforme os clientes vão retirando os produtos. São pobres, estão numa das partes baixas da estrutura social, sentindo o peso das desigualdades e diferenças existentes. Numa revolta interna bastante forte, aliada com o sentimento de ganhar dinheiro e melhorar de vida, Pedro dá para Marques a ideia de venderem maconha, droga muito consumida mas com poucos vendendo nas vilas. Explica o marxismo de maneira bastante didática a Marques, mostrando o funcionamento do sistema. E dizendo que o ponto central do problema é que as pessoas querem ser ricas, incluindo eles. A forma para isto era a venda de droga. A partir de então, passam a vender. Se envolvendo com várias figuras e tendo as mais perigosas e delicadas relações sociais. Num mundo onde são estas relações bastante delicadas cada passo e relação sendo bastante perigosa.
Com uma maestria e uma visão cirúrgica das situações que descreve Falero faz com que o livro seja um grande mergulho tanto nestas relações perigosas quanto nos personagens, nas motivações deles e o que lhes faz pensar desta forma. Personagens mais coadjuvantes, como Luan, Angélica, Geraldo, a mãe de Pedro, Amauri e Roberto também passam pelo mesmo processo, mostrando as relações e os papéis sociais cumpridos. O que lhe permite, junto com a imaginação e o denso conhecimento que os autores têm do universo, fazer um retrato de tais problemas sociais com uma ficção social que explora e mostra isto. O destino dos personagens ocorre de acordo com as relações sociais e caminhos que estão inseridos. Tudo muito bem descrito pelo autor, desde as relações de trabalho em supermercados até as relações do tráfico, de poder, trabalho, dinheiro, violência e enriquecimento.
De um modo que pouco se tinha visto no Brasil, com uma qualidade também ainda pouco vista, José Falero cria um romance capaz de transmitir e fazer pensar novos pontos sobre tráfico, sobre problemas sociais e as pessoas nele inseridas. Fala das relações que fazemos a nós, movidos por coisas externas que nos coagem. A capacidade de perceber isto e fazer uma ficção é algo dos bons, algo que os melhores e grandes autores fazem. E Falero mostrou esta capacidade em “Os supridores”, mostrando a sensibilidade e agudeza de autor. Será ainda lido por muito tempo no Brasil. Um dos que falou sobre o país, mostrando suas características. E mostra que o escrito, o literário, ainda tem valor e força.
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